7.8.10

VEIA (para Léo Tavares - http://mobileazul.blogspot.com)


Olhos me olharam
Densos
No líquido
Palpável,
Pinguei.

Imóvel
Entendi
Que a veia vive.

Pulso
O pulso
Cicatriz.

6.8.10

ESPERA

Dentro
Uma fera
Que me faz
Bela
A cortar
No ar
O silêncio

Rompo-me

Faço-me vento
Em altos
Edifícios
Sem janelas
De proteção

Lanço-me

Colho-me
Frutos
E desperdiço
O sumo
Reservado
À sua boca
Vermelha

Vermelho
É a cor
Que me sobe
A face
Ao não te ver

COBIÇA

Emudeça seu silêncio
Pois quero algazarra
Encaixada
Em meus poros

De tão molhada
Estou seca

E a língua arde

Dispense a bossa
Pois quero samba
Derramado
Em meus pêlos

Insone
De tanto olhar

E a cama pulsa

Durma o depois
Pois quero o agora
Agora
Em minhas mãos

Tempo
De tanta espera

E a água escorre

5.8.10

POETSIA

A poesia
Está viva
Nos olhos
De quem a devora

Aos olhos que a segue
Aos olhos de quem a escreve

A poesia
É minha
Sou dela
E no entanto
Somos livres
Intrinsicamente
Livres

A poesia
Me guia
Eu a cego
Ela dança

Me perco
Em sua trilha
Ela ilumina
Eu danço

E nessa dança
De ritmos
Variados
Somos par
Ímpar
Imãs
De pólos
Invertidos
Que se abraçam

PEQUENA CRÔNICA DE QUINTA

As crianças entram em minha vida como estrelas. Sem anunciação. E me acendem com muito fulgor! Essa semana ganhei uma nova amiga, Rafaela, uma vizinha que na sabedoria dos seus 7 anos revela ser a flormosura do condomínio. Ela e seu cãozinho Billy me surpreenderam essa manhã ao soar a campainha. Sim, ela me rastreou! E pouco se importou em me encontrar descabelada e com meias azuis, veio com a pura e encantadora certeza de que pode contar comigo nesse mundo estranho de adultos. Não resisti ao convite de, juntas, passearmos ao sol com nossas companhias caninas. Papo vai, papo vem, ela observa que o lhasa com minha sapeca viralata-galgo não sossegam, que seriam um livro de cem mil páginas! Eu tentei argumentar que 'não poderia ser um livro tão grande, pois não teríamos tempo de ler', mas ela me explicou que leria em dois dias. Estou certa que sim.
A velocidade dos passos narrava os causos. Ela quer ser veterinária desde os dois anos e quis saber o que penso dos animais em extinção.

_ Tem um elefante com chifre que não sei o nome, igual ao do filme A Era do Gelo.
_ Ah, o Manny? É um mamute!
_ Você já viu um?
_ Não!
_ Deve existir só uns cinco no mundo todo... Na verdade nem deve existir mais.

E a maldade humana cava buracos nos corações dos pequenos.
Ela me contou que a mãe viu uma reportagem, mas que não sabia se era reportagem, mas passou na televisão, sobre pessoas do bem que arrancavam os chifres dos bichos e das bichas e deixavam no chão para que os caçadores encontrassem e, dessa forma, não os matassem.
E a bondade humana planta reflexão nas cabeças dos miúdos.

_ Posso ir na sua casa depois para gente conversar?

Minha casa são meus braços que estarão sempre abertos a criançada. Eu criança a desbravar a Terra do Nunca. Eu Pan no pandemônio para que minhas asas sempre cresçam.

E meu solilóquio de quinta é interrompido.
Adivinhem por quem?

4.8.10

CIGARRA


Com o corpo
Quente
Canto
Chuva
Em sua janela

Pouso
Meu invólucro
E voo
Noutras
Paisagens

Atinjo
Alturas
Cavo
Com unhas
Seu fio
Terra

No solo
Sozinha
Anuncio
O calor
Do verão
Que virá

Verde

Enquanto
Me despeço
Com amarelo
Sorriso

3.8.10

PEQUENA CRÔNICA DE TERÇA

Caminho pelo Setor Comercial Sul e respiro a prostituição, não das moças que se esquivam de carros na miopia da vida, mas dos protótipos a candidatos, dos protótipos que bajulam os protótipos a candidatos e daqueles que se entregam à míngua a fim de extorquir migalhas dos mesmos protótipos a candidatos. Vale tudo na autoeleição, seja de quem disputa vaga no setor público, seja de quem disputa público nas calçadas. O circo aboliu a lona. O palhaço esqueceu a bola no nariz. O equilibrista usa a corda para se enforcar. Pelo bem, pelo mal o show tem que continuar, de tempos em tempos, de agosto a agosto, mesmo com gosto insosso.
Caminho pelo Setor Comercial e perco o norte, cai dos meus bolsos sem emissão de barulho. Perco qualquer sinal de alegria, alheia, se abaixo para enlaçar o cadarço. E alguém procura estacionamento na cabeça de outro alguém. Um camarada leva um caldo de algum cana. Um flanelinha ajeita a gravata. Um pastel é sacudido pelo vento.
Caminho pelo Setor e setas me acuam. Não cruzo as pernas e assumo estar na dança 'prostitulation', mas ao abrir o espelho entendo que nada pode ir contra a própria natureza. Com as pontas dos dedos sinto as protuberâncias das espinhas que visitam minha testa, atestado de que não tenho moldes, minhas costuras eu mesma traço. Alguém buzina e me traz profunda saudade do Abelardo. Me traz vontade de ir para casa fazer chacrinha.

2.8.10

PEQUENA CRÔNICA DE SEGUNDA

Resolvi escrever uma crônica, e se é crônica, é latente, expressa urgências momentâneas. Aquilo que nos faz querer soltar o verbo, mesmo que seja silábico.
Penso nos títulos que o sistema impõe como se fossem papéis de cartas, selos, figurinhas, tampinhas, carrinhos... Algo 'colecionável', sem mencionar que possuir algo, em série, é sempre temporário. O que não o é?
Existe uma ostentação de identidade entre o emissor, a mensagem e o receptor, muitas vezes o questionador da tão usual ‘o que você é?’. Deve ser por isso que o mundo é pequeno em sua voracidade. As pessoas acreditam ser o que são. E muitas vezes o são mesmo, mas são só isso.
Não carrego emblemas, almejo a cada dia mais céu para minha liberdade. Se posso ser o que quero, para que me ater a só uma possibilidade, ou a duas, ou a três quando posso ficar de quatro sem receios? Ser uma aventureira, ser poeta, ser malandra, ser atriz... Ser brincando de ser sendo.
Sou uma novidade a cada estação, um rompante a cada instante, uma arte a cada olhar. Sempre verde! Em constante estado permanente de parto. Se "nascer é uma alegria que dói", a dor é uma alegria que nasce. Minhas dores são tatuagens, marcam com prazer. E com prazer é mais caro, meus caros.

TRIZ

Equilibrista
Em papéis
Voadores
Que transitam
Livres
Meus pensamentos

De galho em galho
Eu cipó de mim mesma

Com raízes
Mutantes
Nos fios
Curtos
Do cabelo

A um triz
De precipícios

ESPELHO

Meus olhos
Estavam mais negros

Jabuticabas
Desvairadas
A correr
Pela boca

Engoli-me
Toda
Sem saber
Meu tamanho