13.4.07

UM REFLEXO

Ela morava dentro do seu espelho, uma das tantas que se revelava em hora ímpar, uma daquelas que tomava seu corpo e vontade, e arriscava-se a sentir o vento que anunciava um acontecimento inevitável. Mirava o castanho do olhar na lâmina prateada e entendia dos mistérios. Sorria! Chorava! Regurgitava sentimentos úmidos. Vez em quando percebia a força do inesperado, era assim que se fazia realmente feliz, que entendia da citação do João chamado Guimarães Rosa: Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo. E o que não se explicava, se sentia.
Era abril, provavelmente outono sem folhas tapete de vento, e o céu trazia um azul tão ensolarado que lhe cegava as vistas, lhe queimava os cílios fazendo um “trec trec” como se os olhos fossem resquícios de uma natureza que foi viva. Era criança num corpo de adulta. Possuía dois corações apaixonados e infinitas poesias que grudavam em seus poros quando estava com alguém, e mergulhavam nas suas veias quando se encontrava só dentro da caixa de fósforos que ardia suas cabeças. Tropeçava em sua própria confusão solitária.
O dia anterior teve duração ilimitada, experimentou sensações e colecionou vivências, não dormiu. Foi preciso se contorcer nos seus cinco sentidos para aflorar algo mais gratificante, para dar passos largos em sua cidadania. Foi necessário estalar seus ossos para abrir sua identidade, para ter consciência que também era só uma no meio da multidão que lhe freqüentava. O dia não ia ter fim no pós-despertar.
Quando descansou o corpo no instante da inércia espontânea imagens surgiram, sonhos. Entendeu ser o combustível para a imaginação que preenchia seus impulsos diários. Quase não havia lapso em bater a porta sem olhar para trás. Quase entornava um copo d’água de um só gole. E essa tentativa raquítica deixava cicatriz no pulso.
Ela habitava uma estação chamada ontem quando o tempo parou.

11.4.07

INDAGAÇÃO


Onde está o silêncio?
No corpo ou no copo?
No sal ou na saliva?
Na lágrima ou
Na espada da esgrima?

Onde está a palavra?
No olho ou no olhar?
Na mira ou na miragem?
Na cama ou
Na camada da escama?

Onde está você em mim?
Na sílaba ou na sibila?
No poeta ou na poesia?
No coração ou
Na cor da ação?

Sou
O silêncio da palavra
O olhar sobre o corpo
A saliva no copo
O sal no olho
A lágrima na cama
A escama na espada
Esgrima em camada

Você
É o som da minha sílaba
Minha Arte
Minha téz
O coração
Da minha poesia sibilada.

AUTO-OBSERVAÇÃO


Meus poros
Sentem as dores do mundo
Sou tombada
De tanto calafrio
A correr por minhas
Vermelhas veias

Minhas pulsações
Sentem os amores do mundo
Sou levada
De tanto desmaio
A subir por minha
Notória nuca

Meus por quês
Sentem as flores do mundo
Sou asfixiada
De tanto armário
A esconder minhas
Poéticas palavras

Minhas paixões
Sentem os ardores do mundo
Sou transpassada
De tanto fio
A iluminar meus
Tórridos tremores

E meu fio-terra atiça fogo na água que respinga no ar
E alguém nasce nesse momento.

8.4.07

MOLDURA DE UMA NOITE EM MIM


Alguém em cima do telhado
Toca clarinete as estrelas


Poderia ser o Woody Allen
Com sua neurose soturna
Poderia ser um negro
Com sua alma noturna
Poderia ser eu mesma
Com minha sedução gatuna

A lua vira bola
Seduzida pela melodia
O mar delira em febre: ondas
O cão do mendigo
Sorri aos gatos do lixo

Um casal
Dança um bolero
E o suor
Mistura-se a chuva
Que escorre
Pela rua

E aquele alguém
Que não reconheci
Continua a tocar clarinete as estrelas
E o céu confunde-me em cometas