27.4.07

UMA SECA


Via-se a seca
Através
Dos olhos do famigerado
Daquelas bandas


Memória retorcida
De galhos que trazia
(de outras paragens)
Na cacunda
Exposta aos carcarás


Via-se a seca
No lombo do bicho
Que lhe servira um dia
Agora
Cama solta sob o sol

Via-se a seca
Nas gotas de sangue
Da fome
Que lustrava a moringa

Via-se a seca
No chão
Que já não havia inteiro,
Nas rugas
Que já não cabiam no rosto,
No alaranjado céu
Que planava
Entre o tempo e o esquecimento
Que era a lei
Daquele lugar.

UM ZÉ


O cavalo e seu homem
Na casca dura
Dormem a vida pelos becos

O semáforo não pára
Eles não passam

O ar ofegante
Das narinas que saem do trabalho
Espalham o fogo
Que contrasta as flores

Eu apressada
Fotografo com os olhos
O relinchar
Do sol que de despede

UMA SEGUNDA


oh essa segunda!
buzinas, pneus em poças de água suja,
chuva fina no retrovisor.
perco a hora, o ônibus, as chaves
e o beijo de bom dia.
não recordo onde pus meus óculos
o guarda chuva não funciona
o que é o guarda chuva
comparado a chuva?

oh essa segunda!
batidas, sapatos em cocos de cachorros,
sol quente na moleira.
perco a brisa, a marmita, os cheques
e o beijo de bom dia.
não recordo onde pus minhas meias
o guarda sol não funciona
o que é o guarda sol
comparado ao sol?

oh essa segunda!
segue-me em gerundio pelas ruas.