23.8.10

TRILHAS



Colocou no ‘headphone’ uma música feliz. Ensaiou um balançar de cabeça e um sorriso tímido. Fechou os olhos. Era assim que as pessoas pensavam melhor. Era quase ano novo.
Enquanto a música tocava aguou as plantas, fez brigadeiro, arrumou a mochila, calibrou os pneus. Enquanto a música tocasse seria feliz.
Pegou a estrada e saiu sem rumo, sem companhia, sem olhar para trás.
Não fazia sol, nem chovia. O céu estava nublado e isso a confortava como se atingisse um equilíbrio temporal. Algo tinha de ser controlado nesse acaso, pensou. Acelerou.
Chegou ao começo da noite a seu destino, mas não sabia que o sentido de destino seria prolongado, se daria conta no instante em que o sol queimasse seus cílios e o mulato lhe beijasse a boca.
Quinze anos passariam até que ela saísse outra vez, dessa vez um pouco cansada, um pouco feliz e muito confusa.
Voltou ao lugar de onde saiu e não reconheceu nada, nem a parede descascada, nem o cão que lhe afagou os pés, nem a música que ainda tocava no mesmo ‘headphone’. Só soube estar ali quando viu a fotografia na estante. Estava amarelada, mas os lábios do mulato ainda ardiam.
Desligou a música, chamou o cachorro para dentro, mas não conseguiu dormir.

Nenhum comentário: