25.12.07

UM PEDAÇO DO NATAL



A musicalidade do ambiente estalava estranheza, não reclamava por dois motivos: no estômago sensação de mal estar e na cabeça pensamentos tristes da imagem da caiçara.

O relógio marcava 9h da noite, sabia que em vários pontos não tão distantes, muita gente sorria e falava alto entre comes e bebes; abraços e beijos entre presentes e luzes; alegrias e mágoas entre olhares e a escuridão. Era natal. No momento a data não possuía tanta representatividade, exceto pelo silêncio que incomodava seus ouvidos. O meio sorriso indicava que parecia protagonista de algum romance de Noll.

Com esforço alcançou o copo d'água que jazia sobre a bancada, o molhado dos lábios trazia alívio. Tentava se distrair com palavras, mas a caiçara _ mulher que escolhera como sua _ há um tempo mergulhava no rio turvo, pesado demais para suas braçadas. Nos instantes de dor desejava ser escafandrista para explorar os limites das tormentas e encontrar a chave do tesouro da salvação, amém! Quantas pessoas ainda rezariam pelo homem crucificado? Quantas badaladas soariam pelas praças chuvosas? Só sabia do trem que se afiava nos trilhos.

Abriu um pedaço da janela para reconhecer a algazarra festiva vindo de fora. Seus olhos não atingiram o "zum zum zum", percebeu apenas duas pessoas solitárias, ausentes de qualquer ceia, uma mulher sentada num sofá, provavelmente assistindo televisão, e um homem gordo que baforava um cigarro na sacada. Nada de atração no anoitecer alheio.

Bebeu outro gole da água e discou um número que sabia de cor, a caiçara não atendia! Isso emputecia mais por dentro, no aperto do coração, do que na ira esbravajante da revolta. No fundo insistia em lutar contra esse comodismo de estar a mercê das possibilidades dela. Quando poderia conduzir o bolero? E quando, enfim, as linhas se encontravam, a mudez pintava sua boca. Cada vez mais sua forma de expressão era a escrita. Mas o que de tão urgente precisava dizer a morena que preenchia seus intervalos? Declaração das cartas do tarô: "É melhor deixar que a acha queime a cortá-la".

As cenas dissiparam-se em sua mente, o que deveria ser pensamento certo, linha reta do labirinto, se contorceu como galho ressequido. Pensou na outra, na que não havia na realidade, era só o que ficou para trás arrastando-se para tocar sua mão, para que a face pálida rangesse os dentes num ato de aflição. Quase sentiu o gosto do beijo que se perdeu no abismo. Seria um eco?

Já não esperava e a caiçara apareceu trazendo em mãos uma garrafa de champagne. Como era bom abraçar aquele corpo! O olhar vazio ainda enfeitava seu rosto, temia um efeito dominó que afastasse a distância dos seus pés. Tanto fogo louco no momento era ternura murcha. As discussões eram mais freqüentes e os motivos mais banais. Só queria que ela não fosse embora tão rápido. Saber que seu corpo estava, mesmo que inerte, sobre a cama, já era confortante.

O dia amanheceu bonito e a conduziu ao caminho de volta. A lua ainda estava lá! Acordou, mas não recordou se dormiu. O copo d'água nunca esvaziava, sempre a vigiar seus movimentos. Deu outro gole e nenhum galo cantou.


Nenhum comentário: