31.3.07

MEU CHÁ COM PINA BAUSCH


Há um tempo li o texto A DANÇA-TEATRO DE PINA BAUSCH. Pelo resto da vida poderia me propor a estudá-la, investigá-la, senti-la e vivê-la nos caminhos que ainda nem sei aonde andarei. Se ela abriu as portas de Almodóvar em “Fale com Ela”, digo que abriu meu canal para a percepção do que vem a ser Dança-Teatro. Não assisti pessoalmente a Cia. Tanztheater Wuppertal, mesmo assim posso me atrever a saber das propostas de Pina Bausch na sua busca pela expressão do movimento. Sua trajetória foi marcada por encontros-influência que viriam a determinar as linhas de sua notável carreira como um efeito dominó de absorção daquilo que revelaria um novo sentido para dança: a libertação dos padrões do balé clássico, o diálogo com outras artes e o olhar para vida e suas sensibilidades.
Enrubesço-me por ter nascido no mesmo dia que ela, e por acreditar nos astros blá, blá, blá! Pura vaidade leonina que esbarra na declaração de Guimarães Rosa:
Quando nada acontece há um milagre que não estamos vendo.
A curiosidade da alemã acerca do que se passa dentro das pessoas é o ponto de partida de suas criações, em associação com o contexto social em que o ser humano está inserido. Esse seu combustível a levou para além de sua terra natal, a levou para a atemporalidade e esfera da globalização. A artista que sempre procurou a unidade no campo da sensibilidade teve de enfrentar a adversidade perante o estranhamento a que seu trabalho era classificado. E das relações de amor e “ódio” com seus bailarinos surgia admiração e respeito pela mestra e pelo novo. Seus alunos eram expostos aos seus próprios medos e desejos, ela estava interessada em saber o que os tinham trazido até ali. De marionetes se transformavam em criadores de suas próprias coreografias.
O que é estética se beleza é algo relativo? O que é técnica se o que importa é o que surge quando somos dominados pela emoção? Pina almeja a identificação do público com os movimentos ampliados para reações (retratados pelos bailarinos). Eis aqui uma nova forma de atuação em dança: a presença da dramaticidade. Arte de mãos dadas com a vida! E as análises dos resultados apresentados são abertas para uma interpretação pessoal, o que eu percebo é diferente do que percebe o olhar da Carolina, Fernanda, Maria... e não vamos discutir quem está certa pois tudo é possível!
Miss Bausch bebia de outras fontes artísticas, por exemplo, das pinceladas do expressionismo marcante nas Artes Plásticas e da apropriação do distanciamento de seu conterrâneo Berthold Brecht (para quebrar o ilusionismo do espetáculo para que houvesse interação). E o reflexo disso também ocorre nos corpos dos bailarinos, eles estão muito mais próximos do que vimos no dia a dia, revelam quão frágeis somos! Isso contribui ao universo intimista que é marca da coreógrafa, os integrantes de seu Corpo de Baile são eles mesmos, é como se espiássemos, com permissão, por buracos de fechaduras. Outra característica é a utilização de metáforas como críticas sociais. Ex: em sua peça Árias de 1979 o tema é a relação de uma bailarina com um hipopótamo, o que retrata a falta de comunicação entre as relações humanas. Toda essa inquietação, de certa forma, influencia no seu método de interrogação dos bailarinos, para entender o que se passa na cabeça deles. E as respostas são dadas por palavras e/ou movimentos. E tudo é registrado em vídeo para que haja um trabalho individual de pesquisa.
O corpo de Pina coça, ela não consegue ficar parada, está em constante movimento já que é contra sistemas pré-estabelecidos. E leva vantagem na filosofia de que a melhor forma de conhecer um lugar é conhecendo seu povo. Onde se aventurou, buscou conhecer de forma intensiva o ambiente e as pessoas. Assim ficou especialista em “coreo-geografias” que consiste em tensionar a existência com o exterior. Não é turista! Seu olhar de estrangeira não se detém a monumentos históricos e superficialidades, cava buracos para encontrar as verdadeiras raízes freqüentando feiras e outros locais populares. Lição da velha história de que o artista deve ir onde o povo está! Dessa forma ela carrega o mundo em suas incursões trans, multi e ultraculturais. Desse mapeamento geográfico encontramos o conceito Cartografia sentimental: mergulho nos limites dos afetos. E os afetos multiplicam-se quando temos convivência. Pina Bausch é mãe de seus bailarinos. Para enfrentar os eventuais contratempos três palavras (mágicas) são usadas: Eu te amo! E a vida continua!
E essa senhora guardiã dos mistérios da dança contemporânea nos convida a saborear um chá, sem pressa, para que, o segredo da infusão, nos molhe a alma!

Um comentário:

Alexandre Rudáh disse...

Anna K, delicioso chá esse seu. A Pina também surgiu como um marco pra mim, própria fenda que a teatralidade abre em nossas vidas... Bom demais te encontrar por aqui. Visitarei mais vezes sua cidade.
Mil beijos!!!